quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Explicações históricas, próximas e últimas


Ao falar sobre o Selecionismo¹ de maneira geral (tanto no nível filogenético quanto no ontogenético), um aspecto mais específico desse modelo explicativo poderia e deveria ter sido mais bem explorado: trata-se do caráter essencialmente histórico desse tipo de explicação. Além disso, trataremos brevemente sobre a distinção entre explicações imediatas (ou próximas) e explicações últimas.


O comportamento atual de um indivíduo pode ser igualmente explicado por um processo histórico de seleção, análogo ao processo seletivo que ocorre na evolução das espécies. Conforme já apresentado no post anterior, da mesma forma que mutações gênicas são selecionadas ou não de acordo com os efeitos que produzem no ambiente, uma variação comportamental é selecionada pelas conseqüências que ela produz².
Sabemos que tanto a aprendizagem individual (seleção por conseqüências do comportamento) como o processo de seleção natural, resulta em organismos modificados. No primeiro caso, temos modificações fisiológicas no organismo do indivíduo, e no segundo, temos modificações no conjunto gênico de uma espécie. Se quisermos explicar, por exemplo, o porquê de a girafa ter pescoço grande e ter manchas pretas pelo corpo, podemos nos referir a um determinado conjunto de genes que possibilitam o desenvolvimento dessas características corporais. Uma explicação desse tipo é o que chamamos de explicação imediata. Em um primeiro momento, ela resolve nosso questionamento sobre o pescoço da girafa, mas se quisermos saber o motivo da girafa possuir aquele conjunto específico de genes, teremos que recorrer a outro tipo de explicação: a explicação última. Nesse caso, a explicação iria se referir à afiliação daquele individuo a uma população, e iríamos sempre pensar em uma população de girafas ancestrais; não somente na nossa girafa (no individuo) atual em questão. Explicações últimas são exemplo de um modelo explicativo essencialmente histórico.


No caso do processo histórico de seleção do comportamento, as mudanças fisiológicas resultantes poderiam eventualmente servir como explicações imediatas. Usando um exemplo adaptado do autor Baum (1999): se atualmente nosso conhecimento da fisiologia do sistema nervoso nos permitisse identificar exatamente o porquê de Fulano ter saído de casa às 10h da manhã para comprar pão, nós teríamos uma explicação imediata deste momento particular de um comportamento, assim com a Embriologia e a Genética Molecular nos fornecem informações contundentes sobre o porquê da girafa desenvolver o pescoço que ela tem. Mas da mesma forma que um conhecimento desse tipo não explica a origem dos comportamentos de Fulano de sair para comprar pão nesse mesmo horário todos os dias, nossos conhecimentos em Embriologia e Genética não nos fornecem respostas sobre o porquê das girafas (enquanto população/espécie) possuírem os genes que propiciam o crescimento daquele tipo de pescoço.
A origem do comportamento de comprar pão do Fulano está no passado, onde seus pais o ensinaram em qual padaria comprar, onde ele descobriu que às 10h saia um pão novo e quentinho, etc. As conseqüências de determinadas variações comportamentais anteriores deram origem ao comportamento ainda mais complexo, a ponto dele virar um hábito diário.

Em um nível ainda mais remoto, a origem do comportamento está também na própria seleção natural, que forneceu os organismos com mecanismos específicos de aprendizagem e sensibilidade as conseqüências. Um maior entendimento sobre como se dá a interação entre história filogenética e história ontogenética (individual) é fundamental para uma maior compreensão das origens do comportamento nos seres vivos.
Como herança de um pensamento mecanicista, muitas pessoas (incluindo ai alguns filósofos e cientistas) preferem pensar os fenômenos em termos de explicações imediatas, pois essas nos fornecem uma explicação mais linear de causa-efeito (ex: uma bola de bilhar batendo na outra). Na falta de explicações fisiológicas completas para nos servir de explicação imediata, não precisamos postular a existência de um “Eu autônomo”, ou de uma “vontade” do Fulano de ir comprar pão todas as manhãs. A explicação histórica (e última) se mostra mais eficaz, abrangente e parcimoniosa na explicação do comportamento.


¹ Sobre Selecionismo ver post anterior: http://cardinalismo.blogspot.com/2010/04/selecionismo.html
² Para conhecer um pouco mais sobre os mecanismos de aprendizagem e seleção do comportamento, conferir este link da Wikipedia (nível básico, mas confiável !): http://pt.wikipedia.org/wiki/Refor%C3%A7o
Leitura recomendada:
Compreender o Behaviorismo - William M. Baum, 1999

2 comentários:

  1. As explicações cognitivas são, de certa forma, um reflexo do que seria uma explicação fisiológica. Quando falamos de vontade, crença ou memória estamos, de forma parcimoniosa, nos referindo a estados neurofisiológicos imediatamente determinantes do comportamento. No entanto, também acho imprescindível a consideração dos "fatos históricos" que modelaram esse padrão fisiológico/cognitivo. Só não acho suficiente nos determos apenas a esse histórico e lógica.

    Abraço, meu amigo!

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  2. Fala Daniel!
    Acabei ficando sumido do "mundo dos blogs" e só agora vi seu comentário rsrs.

    Concordo demais com o que você postou. A importância dos fenômenos fisiológicos para a compreensão do comportamento humano é inegável.

    Estou neste momento preparando um pequeno (literalmente: pequeno!) post para comentar mais sobre isso !

    Abraços !!

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