Ao mesmo tempo em que revela uma sensação de estranheza do meu interlocutor, este tipo de comentário me gera uma estranheza semelhante pois hoje em dia é relativamente fácil ter um carro, não se tratando mais de um benefício restrito à "doutores" (termo horrível a propósito, que serve apenas para acentuar uma hierarquização desnecessária nas relações humanas). Entretanto, o estigma social continua. Ao usar o transporte público não estou fazendo jus à minha suposta condição de "doutor": devo ser um psicólogo iniciante, incapaz, que precisa subir e aprender muito na vida para adquirir um carro. As caras e bocas que eu vejo com frequência no consultório durante estas conversas me sugerem isto - o estranhamento alheio diz muito.
Trocando em miúdos: transporte público é coisa de pobre. Como "pobreza" é frequentemente algo associado a "vagabundagem, incapacidade intelectual, falta de vergonha na cara" dentre outros adjetivos pejorativos, logo, justifica-se um pouquinho a existência de dúvidas sobre meus valores e habilidades profissionais. Existe uma complexa rede simbólica que ligam estes pontos.
Comentário inspirado por esta reportagem: http://oglobo.globo.com/rio/o-que-famosos-que-usam-transporte-publico-acham-do-sistema-no-rio-11937509
*originalmente publicado no Facebook - dia 28/03/2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário